Lei Maria da Penha: 19 Anos de Proteção e Justiça.

A Força da Lei como Ato de Coragem e Proteção Contra Relacionamentos Abusivos e Violentos e a Busca de um Divórcio Seguro, Digno e Amparado pela Justiça.

I- Fundamentos e Panorama Atual da Lei Maria da Penha.

Quais os principais marcos históricos da Lei Maria da Penha desde sua criação até agosto de 2025?

A Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) foi sancionada em 7 de agosto de 2006, após intensa mobilização social e internacional, especialmente após o caso emblemático de Maria da Penha Maia Fernandes. Desde então, a legislação passou por diversas atualizações, consolidando-se como um dos instrumentos mais eficazes de combate à violência doméstica no mundo.

Até agosto de 2025, destacam-se:

A criação de delegacias especializadas e juizados de violência doméstica em diversas regiões do país;

A incorporação de tecnologias de proteção, como aplicativos de denúncia e geolocalização;

A ampliação do conceito de violência, incluindo violência patrimonial, moral e psicológica como formas legítimas de agressão;

A priorização de tramitação processual em casos de divórcio envolvendo violência doméstica, conforme projetos de lei aprovados entre 2022 e 2024.

Como a Lei Maria da Penha transformou o conceito de violência doméstica no ordenamento jurídico brasileiro?

Antes da Lei Maria da Penha, a violência doméstica era tratada como infração de menor potencial ofensivo, muitas vezes resultando em penas alternativas. A partir de sua promulgação, o ordenamento jurídico passou a reconhecer a violência doméstica como uma violação dos direitos humanos, com implicações civis, penais e sociais.

A Lei trouxe uma abordagem multidisciplinar, reconhecendo que a violência contra a mulher não se limita ao espaço físico, mas envolve:

Controle psicológico;

Agressões verbais e morais;

Privação econômica;

Isolamento social.

Essa transformação permitiu que o sistema de justiça atuasse de forma mais eficaz e humanizada.

Quais os tipos de violência reconhecidos pela Lei e como eles impactam o direito ao divórcio?

A Lei Maria da Penha reconhece seis tipos de violência:

Física;

Psicológica;

Sexual;

Patrimonial;

Moral;

Virtual (reconhecida por jurisprudência recentemente).

Cada uma dessas formas pode ser fundamento legítimo para o pedido de divórcio, especialmente quando há risco à integridade física ou emocional da mulher. A presença de qualquer dessas violências autoriza medidas protetivas e pode justificar o afastamento do agressor do lar, mesmo antes da formalização do divórcio.

Quais foram os avanços legislativos e jurisprudenciais mais relevantes nos últimos anos?

Entre 2022 e 2025, destacam-se:

A aprovação do PL 1.665/2022, que garante prioridade na tramitação de processos de divórcio em casos de violência doméstica;

Decisões do STJ que reconhecem o registro de ocorrência como suficiente para concessão de medidas protetivas, mesmo sem laudo pericial imediato.;

A ampliação do conceito de “lar” para incluir relações não coabitacionais, como namoros e relacionamentos virtuais abusivos;

Esses avanços reforçam o caráter protetivo da Lei e ampliam o acesso à justiça.

Como a pandemia de COVID-19 influenciou a aplicação da Lei Maria da Penha e os pedidos de divórcio?

Durante a pandemia, houve um aumento significativo nos casos de violência doméstica, especialmente devido ao confinamento e à sobrecarga emocional. Em resposta, o sistema jurídico passou a adotar:

Atendimentos virtuais para denúncias e audiências;

Medidas protetivas digitais;

Campanhas de conscientização como “Sinal Vermelho” e “Você não está sozinha”.

Essas ações aceleraram a modernização da aplicação da Lei e facilitaram o acesso ao divórcio como medida de proteção.

Quais projetos e tecnologias recentes têm fortalecido a rede de proteção às mulheres?

Além das delegacias especializadas e casas-abrigo, surgiram iniciativas inovadoras:

App JusMulher: botão de pânico virtual com geolocalização;

Projeto Ângela (Avon): assistente virtual para orientação e denúncia;

Sinal Vermelho: campanha nacional que permite à vítima sinalizar risco com um “X” vermelho na palma da mão.

Essas ferramentas têm sido fundamentais para garantir que o pedido de divórcio ocorra em ambiente seguro, com suporte psicológico, jurídico e social.

II – Caminhos Jurídicos para o Divórcio em Situação de Violência Doméstica.

Quais são os primeiros passos legais que uma mulher deve tomar ao decidir se divorciar em contexto de violência doméstica?

O primeiro passo é buscar proteção imediata. Isso pode ser feito por meio de:

Registro de ocorrência em delegacia (preferencialmente especializada);

Solicitação de medida protetiva de urgência, conforme artigo 12 da Lei Maria da Penha;

Encaminhamento à rede de apoio: casas-abrigo, atendimento psicológico, assistência jurídica.

Com a medida protetiva deferida, a mulher pode iniciar o processo de divórcio com segurança jurídica e física, inclusive com pedido de afastamento do agressor do lar.

Como funciona o pedido de medida protetiva e qual sua relação com o processo de divórcio?

A medida protetiva é um instrumento judicial que visa resguardar a integridade da vítima. Ela pode incluir:

Afastamento do agressor;

Proibição de contato;

Suspensão de visitas aos filhos;

Fixação de alimentos provisórios.

Essas medidas podem ser solicitadas antes ou junto com o pedido de divórcio, e são fundamentais para garantir que a mulher possa romper o vínculo conjugal sem estar exposta a novos riscos.

Quais são os deveres da autoridade policial ao receber uma denúncia de violência doméstica?

Conforme o artigo 12 da Lei Maria da Penha, a autoridade policial deve:

Ouvir a vítima com respeito e em ambiente adequado;

Lavrar boletim de ocorrência e tomar representação a termo;

Encaminhar a vítima ao IML e à rede de apoio;

Solicitar medida protetiva ao juiz em até 24 horas;

Informar os direitos da vítima, inclusive sobre o divórcio e assistência jurídica.

A atuação policial deve ser humanizada, célere e eficaz, evitando a revitimização.

É possível solicitar o afastamento do agressor do lar antes do divórcio? Em que casos?

Sim. O afastamento pode ser solicitado como medida protetiva de urgência, mesmo antes do ajuizamento do divórcio. Basta que haja:

Relato consistente da violência;

Registro de ocorrência;

Indícios de risco à integridade física, psicológica ou moral da vítima.

A jurisprudência atual reconhece que o boletim de ocorrência é suficiente para justificar esse afastamento, conforme entendimento do STJ – Superior Tribunal de Justiça e doutrina de Maria Berenice Dias.

Quais os direitos garantidos à mulher durante o processo de separação, especialmente em relação à guarda dos filhos e alimentos?

Durante o processo, a mulher tem direito a:

Guarda provisória dos filhos, com suspensão de visitas se houver risco;

Alimentos provisórios, inclusive para os filhos, sem necessidade de prova extensa;

Proteção patrimonial, evitando dilapidação de bens comuns;

Acompanhamento psicológico e jurídico gratuito, via Defensoria Pública ou rede de apoio.

Esses direitos visam garantir estabilidade emocional e financeira durante o rompimento conjugal.

Como a jurisprudência atual tem tratado os pedidos de divórcio com base em violência doméstica?

A jurisprudência tem evoluído para reconhecer o divórcio como instrumento de proteção, não apenas de dissolução conjugal. Destacam-se:

Decisões que concedem divórcio liminar em casos de urgência;

Reconhecimento da violência psicológica como causa legítima para divórcio;

Aplicação da prioridade de tramitação em processos envolvendo violência doméstica.

O Judiciário tem se mostrado mais sensível, embora ainda haja desafios regionais e estruturais.

Parte III – Reflexões Jurídicas e Práticas para Profissionais do Direito.

 Como o operador do Direito pode atuar de forma estratégica e humanizada em casos de divórcio com violência doméstica?

A atuação exige sensibilidade, técnica e compromisso ético. Algumas estratégias incluem:

Priorizar o acolhimento da vítima, evitando revitimização;

Solicitar medidas protetivas com base no relato e boletim de ocorrência, sem exigir provas excessivas;

Requerer divórcio liminar, com urgência, quando há risco à integridade da mulher;

Articular com a rede de apoio (psicólogos, assistentes sociais, ONGs) para garantir suporte integral.

O profissional deve compreender que o divórcio, nesse contexto, é mais que uma ruptura conjugal,  é um ato de libertação e proteção.

Quais são os principais entraves enfrentados no Judiciário em processos de divórcio com violência doméstica?

Apesar dos avanços, persistem obstáculos como:

Morosidade processual, mesmo em casos urgentes;

Resistência à concessão de divórcio liminar, por parte de alguns magistrados;

Falta de capacitação de servidores e operadores do sistema;

Dificuldade de acesso à justiça, especialmente em regiões sem Defensoria Pública estruturada.

Esses entraves exigem formação continuada, atuação proativa da advocacia e pressão institucional por mudanças.

Como a doutrina tem interpretado o divórcio em contexto de violência doméstica?

A doutrina contemporânea, especialmente feminista, tem defendido:

O divórcio como direito fundamental à liberdade e à dignidade;

A possibilidade de divórcio liminar, com base na urgência e na proteção da vítima;

A aplicação da Lei Maria da Penha como instrumento transversal, inclusive em ações cíveis.

Destaca-se a contribuição de juristas como:

Maria Berenice Dias, que propõe o uso da tutela de urgência para dissolução imediata do vínculo;

Silvia Pimentel, que defende uma leitura constitucional e internacional dos direitos das mulheres.

Quais são os fundamentos legais e constitucionais que sustentam o divórcio imediato em casos de violência doméstica?

Os principais fundamentos são:

Art. 226, §6º da Constituição Federal: o casamento pode ser dissolvido pelo divórcio;

Princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF);

Direito à vida e à integridade física e psicológica;

Convenção de Belém do Pará, que obriga o Estado a prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher.

Esses fundamentos permitem ao juiz conceder o divórcio sem exigência de consenso ou prazo, especialmente quando há risco à vítima.

Como o ensino jurídico pode contribuir para a transformação dessa realidade?

O ensino jurídico deve:

Incluir a temática da violência doméstica nos currículos obrigatórios;

Promover debates interdisciplinares, com enfoque em gênero, direitos humanos e psicologia;

Estimular a prática jurídica crítica, com atuação em núcleos de apoio à mulher;

Formar profissionais comprometidos com a justiça social e a equidade de gênero.

A universidade tem papel central na formação de uma nova geração de juristas, mais sensíveis e preparados para enfrentar essas questões.

Conclusão: O Divórcio como Ato de Liberdade e Justiça no contexto da Lei Maria da Penha, Lei 11.340/2006.

O divórcio em contexto de violência doméstica não é apenas uma decisão pessoal, é um ato de resistência, de reconstrução e de afirmação da dignidade. Para muitas mulheres, representa o rompimento com ciclos de dor e o início de uma nova trajetória de autonomia.

O sistema jurídico brasileiro, embora tenha avançado, ainda precisa romper com estruturas patriarcais, burocráticas e insensíveis que dificultam esse processo.

É urgente que juízes, advogados, promotores e defensores compreendam que a urgência da proteção que não admite espera.

A mulher que decide se divorciar em meio à violência não busca apenas dissolver um vínculo, ela busca sobreviver, recomeçar e ser respeitada.

Que este artigo sirva como instrumento de empoderamento, orientação e transformação. Que cada mulher saiba que não está sozinha, que há caminhos legais e seguros para romper com a violência doméstica, e que o Direito, enquanto instrumento de justiça social, deve ser aplicado com sensibilidade, celeridade e compromisso com a efetivação dos direitos humanos das mulheres, é o que se requer.

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