11 de setembro: 35 anos de justiça nas relações de consumo

11 de setembro: 35 anos de justiça nas relações de consumo: Da Promulgação à Era Digital.

No dia 11 de setembro de 1990, o Brasil deu um passo decisivo rumo à consolidação da cidadania ao promulgar a Lei nº 8.078, o Código de Defesa do Consumidor (CDC). Mais do que um conjunto de normas representa a ruptura com a lógica mercadológica que, até então, colocava o consumidor em posição de fragilidade diante dos fornecedores. Em 1990 nascia ali um instrumento jurídico que ao longo de três décadas e meia, transformaria profundamente as relações de consumo, elevando o consumidor à condição de sujeito de direitos e protagonista nas relações de consumo.

A promulgação do Código de Defesa do Consumidor não foi um ato isolado, mas sim o reflexo de um movimento constitucional mais amplo que emergiu com a redemocratização do país. A Constituição Federal de 1988, ao consagrar a defesa do consumidor como direito fundamental e princípio da ordem econômica (art. 5º, XXXII e art. 170, V), abriu caminho para uma legislação infraconstitucional que traduzisse esses valores em normas concretas. O CDC surgiu, portanto, como resposta à necessidade de equilibrar uma relação historicamente assimétrica entre consumidores e fornecedores, conferindo ao cidadão comum instrumentos eficazes de proteção e reparação.

Nos trinta e cinco anos de vigência do Código de Defesa do Consumidor, partindo de sua promulgação como marco jurídico até os desafios impostos pela transformação digital, destacamos os avanços sociais e institucionais conquistados, bem como a capacidade do CDC de dialogar com novas dinâmicas de consumo. O comércio eletrônico, a proteção de dados pessoais e a inteligência artificial impõem à legislação clássica a necessidade de releitura e adaptação, sem que se perca sua essência garantista.

A vulnerabilidade do consumidor foi o alicerce sobre o qual se ergueu o Código de Defesa do Consumidor. Reconhecendo a desigualdade estrutural entre quem consome e quem fornece, o legislador optou por uma abordagem protetiva, que confere ao consumidor um tratamento jurídico privilegiado. Essa vulnerabilidade não se limita à esfera econômica, mas abrange também aspectos técnicos, informacionais e jurídicos, tornando o consumidor dependente da boa-fé e da transparência do fornecedor. O CDC, ao assumir essa premissa, inaugura uma nova lógica nas relações de consumo: a da justiça contratual e da dignidade nas trocas comerciais.

Os princípios que regem o Código de Defesa do Consumidor conferem à norma uma densidade ética e jurídica que transcende a mera regulação contratual. A boa-fé objetiva, a transparência, a equidade e a função social do contrato são fundamentos que orientam não apenas a interpretação da lei, mas também a conduta esperada dos agentes econômicos. Esses princípios operam como bússolas normativas, permitindo que o CDC se mantenha atual e eficaz mesmo diante de novas práticas comerciais. Ao privilegiar o equilíbrio nas relações de consumo, o legislador consagra uma visão humanista do direito, em que o respeito à dignidade do consumidor é inegociável.

A promulgação do CDC impulsionou a criação e o fortalecimento de uma rede institucional dedicada à proteção do consumidor, com destaque para os Procons, as Defensorias Públicas, o Ministério Público e as associações civis. Esses órgãos passaram a atuar de forma coordenada, promovendo fiscalização, mediação de conflitos e educação para o consumo. O Sistema Nacional de Defesa do Consumidor tornou-se um dos pilares da efetividade da norma, aproximando o cidadão da tutela estatal e oferecendo canais acessíveis para a resolução de demandas. A institucionalização da defesa do consumidor consolidou uma cultura jurídica voltada à inclusão e à justiça social.

Ao longo de sua trajetória, o Código de Defesa do Consumidor foi protagonista de decisões judiciais que moldaram o entendimento sobre os direitos nas relações de consumo. Casos emblemáticos envolvendo cláusulas abusivas, publicidade enganosa, responsabilidade por vício do produto e danos morais contribuíram para sedimentar uma jurisprudência protetiva e coerente com os princípios do CDC. A atuação firme dos tribunais superiores, especialmente do Superior Tribunal de Justiça, consolidou entendimentos que hoje orientam não apenas os operadores do direito, mas também o comportamento das empresas. O CDC deixou de ser apenas uma norma e passou a ser uma referência ética e jurídica no cotidiano das relações comerciais.

O comércio eletrônico revolucionou a forma como consumidores se relacionam com produtos, serviços e fornecedores. A praticidade das compras online trouxe benefícios inegáveis, mas também expôs o consumidor a novos riscos: fraudes digitais, ausência de contato direto, dificuldades na devolução de produtos e insegurança quanto à origem e qualidade das mercadorias. O CDC, embora anterior à era digital, tem sido interpretado de forma extensiva para garantir a aplicação de seus princípios às relações virtuais. O direito de arrependimento, previsto no artigo 49, tornou-se um dos pilares da proteção no e-commerce, assegurando ao consumidor o poder de rever sua decisão fora do ambiente físico de compra.

A proteção de dados pessoais tornou-se um dos grandes desafios da era digital, exigindo uma reinterpretação das garantias previstas no CDC à luz da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). O compartilhamento indiscriminado de informações, a coleta automatizada de perfis de consumo e a ausência de transparência nas políticas de privacidade colocam o consumidor em situação de vulnerabilidade informacional. Embora o CDC já preveja o direito à informação clara e adequada, a LGPD veio complementar esse arcabouço, reforçando o dever de consentimento, finalidade e segurança no tratamento de dados. A convergência entre essas duas legislações é essencial para assegurar que o consumidor seja respeitado não apenas como cliente, mas como titular de sua própria identidade digital.

Passadas três décadas e meia desde sua promulgação, impõe-se a pergunta: o Código de Defesa do Consumidor é suficiente para enfrentar os desafios do século XXI? Embora sua estrutura principiológica permita interpretações evolutivas, a velocidade das transformações tecnológicas e a complexidade das novas relações de consumo exigem uma revisão crítica. O CDC permanece como um farol normativo, mas carece de atualizações pontuais que o alinhem às práticas digitais, aos modelos de negócio disruptivos e às novas formas de vulnerabilidade. A preservação de sua essência garantista não impede que se pense em sua expansão normativa, especialmente em temas como algoritmos, plataformas digitais e economia de dados.

Diante dos desafios contemporâneos, é imprescindível pensar em mecanismos de atualização legislativa que preservem a essência protetiva do CDC, mas que também o tornem responsivo às novas realidades digitais. A regulamentação de práticas comerciais em plataformas digitais, a responsabilização por decisões algorítmicas e a ampliação da transparência nos contratos eletrônicos são medidas urgentes. Paralelamente, a educação para o consumo consciente deve ser fortalecida como política pública, promovendo o empoderamento do cidadão desde a escola até os ambientes de compra. O consumidor informado é o primeiro agente de fiscalização, e sua atuação crítica é indispensável para a construção de um mercado mais ético e equilibrado.

O consumidor do século XXI não é apenas destinatário de proteção legal, mas também agente transformador das relações de consumo. A ampliação do acesso à informação, o fortalecimento das redes sociais e o surgimento de plataformas de avaliação pública conferiram ao consumidor um poder simbólico e prático que transcende o papel passivo outrora atribuído. O CDC, ao reconhecer essa centralidade, legitima a atuação crítica do cidadão frente às práticas comerciais, estimulando o exercício consciente de seus direitos. A construção de um mercado ético e transparente depende, em grande medida, da participação ativa do consumidor, que hoje ocupa lugar de destaque na arquitetura jurídica e social do consumo.

A trajetória do Código de Defesa do Consumidor é marcada por conquistas jurídicas, avanços sociais e desafios constantes. Sua permanência como referência normativa ao longo de trinta e cinco anos revela não apenas a solidez de seus princípios, mas também sua capacidade de adaptação às transformações do mercado e da tecnologia. Em tempos de consumo digital, algoritmos invisíveis e dados sensíveis, o CDC continua sendo um instrumento de justiça, equilíbrio e cidadania. Reconhecer sua importância é também reafirmar o compromisso coletivo com relações de consumo mais éticas, transparentes e humanas.

Celebrar os trinta e cinco anos do Código de Defesa do Consumidor é reconhecer a maturidade de uma legislação que soube se afirmar como escudo jurídico e vetor de cidadania. Mais do que um conjunto de normas, o CDC representa um compromisso ético com a justiça nas relações de consumo, com a dignidade do cidadão e com a construção de um mercado mais responsável. Em tempos de inovação acelerada e desafios inéditos, cabe a todos juristas, instituições, empresas e consumidores preservar sua essência, ampliar sua aplicação e garantir que ele continue sendo um instrumento vivo, atual e transformador. O futuro do consumo começa com o respeito ao consumidor.

 

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