A Lei Felca e o Futuro da Proteção Jurídica Infantil

A Lei Felca e o Futuro da Proteção Jurídica Infantil: Do Algoritmo à Responsabilidade.

A  promulgação da Lei nº 15.211/2025, conhecida como Lei Felca ou Estatuto Digital da Criança e do Adolescente, representa um marco histórico na legislação brasileira voltada à proteção infantojuvenil no ambiente virtual. Fruto de intensa mobilização social e inspirado por denúncias públicas sobre a exploração digital de menores, esta norma estabelece diretrizes rigorosas para plataformas digitais, influenciadores e desenvolvedores de conteúdo, com foco na privacidade, segurança e supervisão parental.

A Lei Felca não atua isoladamente: ela se articula com um ecossistema jurídico que inclui a Lei nº 13.709/2018 (LGPD), a Lei nº 12.965/2014 (Marco Civil da Internet) e a Resolução nº 245/2024 do CONANDA, formando um sistema integrado de defesa da infância conectada.

A LGPD introduziu no ordenamento brasileiro o princípio da privacidade por padrão, exigindo consentimento específico para o tratamento de dados de menores. O Marco Civil da Internet, por sua vez, consagrou os pilares da neutralidade de rede, da liberdade de expressão e da proteção de dados pessoais, que agora precisam ser reinterpretados à luz da vulnerabilidade digital infantil. Já a Resolução nº 245/2024, editada pelo CONANDA- (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente), reconhece o ambiente digital como espaço de cidadania e impõe obrigações éticas às plataformas, como linguagem acessível, relatórios de conformidade e respeito ao estágio de desenvolvimento de cada faixa etária. Juntas, essas normas compõem a base normativa que sustenta a atuação da Lei Felca e orienta sua aplicação prática.

A ascensão da infância digital trouxe consigo um novo campo de vulnerabilidades que desafia os limites tradicionais do Direito. Crianças e adolescentes estão cada vez mais imersos em ambientes virtuais que operam por algoritmos invisíveis, sistemas de recompensa e dinâmicas de engajamento que, embora sofisticadas, podem ser nocivas. A promulgação da Lei nº 15.211/2025 conhecida como Lei Felca ou ECA Digital representa um divisor de águas na proteção jurídica infanto-juvenil no Brasil.

A Lei Felca surge como resposta à crescente adultização e exploração de menores nas redes sociais, nos jogos online e nas plataformas de conteúdos digitais. Inspirada por mobilizações sociais e denúncias públicas, como a do influenciador Felca, a norma estabelece diretrizes claras para a atuação de empresas de tecnologia, responsabilizando-as pela exposição indevida de crianças a conteúdos impróprios e práticas abusivas de monetização.

No entanto, a eficácia da Lei Felca depende de uma engrenagem complexa que vai além da letra da lei. A descoberta e aplicação de algoritmos precisos para identificar e bloquear conteúdos nocivos é um dos maiores desafios técnicos enfrentados pelas plataformas. A subjetividade do que é “impróprio” exige que esses sistemas sejam calibrados com sensibilidade cultural, ética e jurídica, o que demanda investimento contínuo em inteligência artificial responsável.

A presença de uma equipe de moderação bem treinada é igualmente essencial. A moderação humana, quando aliada à tecnologia, permite decisões contextualizadas e evita abusos automatizados. Contudo, muitas empresas ainda terceirizam esse serviço de forma precária, expondo moderadores a conteúdos traumáticos sem suporte psicológico ou formação adequada, o que compromete a qualidade da proteção oferecida.

Outro ponto nevrálgico é a cooperação jurídica internacional. Plataformas globais operam sob legislações diversas, e a responsabilização por violações cometidas contra menores brasileiros exige acordos bilaterais, tratados multilaterais e mecanismos de extraterritorialidade. A atuação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), prevista na Lei nº 13.709/2018 (LGPD), precisa ser fortalecida com instrumentos de alcance global.

A definição jurídica de conteúdo impróprio é um campo em constante disputa. O que pode ser considerado inadequado para uma criança de 8 anos pode não ser para um adolescente de 16. A Resolução nº 245/2024 do CONANDA avança ao reconhecer o ambiente digital como espaço de cidadania, propondo diretrizes interpretativas que respeitam o estágio de desenvolvimento de cada faixa etária, mas ainda carece de regulamentação prática.

A neutralidade de rede, prevista no Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014), também entra em tensão com a proteção infantil. Ao proibir discriminação de tráfego, o princípio pode dificultar o bloqueio seletivo de conteúdos nocivos. É necessário um debate jurídico maduro sobre como compatibilizar esse princípio com o dever constitucional de proteção integral à criança e ao adolescente.

A privacidade por padrão, exigida pela LGPD e reforçada pela Lei Felca, impõe que produtos e serviços digitais sejam configurados com o máximo de proteção desde o início. Isso inclui restrições à coleta de dados, proibição de perfilamento comercial e exigência de consentimento parental. No entanto, muitas plataformas ainda operam com modelos de negócio baseados na exploração de dados comportamentais menores.

A orquestra entre tecnologia, cultura, educação e política é o verdadeiro motor da transformação. Não basta legislar  é preciso educar pais, formar professores, conscientizar influenciadores e capacitar agentes públicos. A proteção digital infantil exige uma abordagem interdisciplinar que una saberes jurídicos, pedagógicos, psicológicos e tecnológicos.

A responsabilidade civil e penal de plataformas e criadores de conteúdo precisa ser revista à luz da nova realidade. A promoção de jogos de azar disfarçados, como “loot box” e apostas esportivas, por influenciadores mirins ou canais voltados ao público infantil, configura violação direta à Lei Felca e pode ensejar sanções severas, inclusive indenizações por danos morais coletivos.

A educação digital nas escolas deve ser incorporada como política pública permanente. Crianças precisam aprender desde cedo sobre privacidade, segurança, comportamento online e os riscos de dependência digital. A formação cidadã no ambiente virtual é tão urgente quanto a alfabetização tradicional.

A fiscalização efetiva é o elo que conecta a norma à realidade. A ANPD, o Ministério Público, os Conselhos Tutelares e os órgãos de defesa do consumidor devem atuar de forma coordenada, com protocolos claros e canais acessíveis para denúncias, inspeções e responsabilizações. A sociedade civil também deve ser protagonista nesse processo.

A família, como núcleo primário de proteção, precisa ser empoderada. Muitos pais desconhecem ou desativam ferramentas de controle parental por falta de informação ou apoio. Campanhas públicas, tutoriais acessíveis e suporte técnico devem ser oferecidos como parte da política de proteção digital.

Por fim, a Lei Felca não é um ponto de chegada, mas um marco inaugural. Ela inaugura uma nova era de responsabilidade compartilhada, onde o Direito se alia à tecnologia para garantir que a infância seja respeitada, protegida e valorizada, mesmo no ambiente virtual. Que cada linha dessa lei seja guiada por ética e pela empatia, compondo os acordes que sustentam a dignidade da criança e do adolescente no mundo virtual.

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