A reconquista legislativa de um direito essencial.
A cobrança por bagagem de mão tornou-se um dos símbolos mais evidentes da erosão dos direitos do consumidor em nome da suposta eficiência econômica. O Projeto de Lei nº 5041/2025, aprovado pela Câmara dos Deputados em outubro de 2025, propõe a proibição dessa cobrança e representa não apenas uma correção normativa, mas uma reconquista legislativa de um direito essencial.
Historicamente, o transporte aéreo sempre incluiu, como parte do contrato, o deslocamento do passageiro e de seus pertences. A bagagem de mão, nesse contexto, não é um serviço adicional, mas um elemento intrínseco à prestação contratual. A tentativa de mercantilizar esse direito, convertendo-o em produto tarifável, fere a função social do contrato prevista no art. 421 do Código Civil.
A Resolução nº 400/2016 da ANAC, que autorizou a cobrança por bagagens despachadas, foi justificada pela promessa de redução nos preços das passagens. No entanto, estudos e dados de mercado demonstram que essa redução jamais se concretizou. O consumidor passou a pagar mais por menos, enfrentando tarifas fragmentadas e pouca transparência.
A atuação da ANAC, nesse episódio, revela um desvio de finalidade regulatória. Como autarquia especial, sua missão é servir ao interesse público, não ao mercado. Ao permitir a cobrança por serviços essenciais, a agência ultrapassou os limites da regulação infralegal, invadindo competências legislativas e fragilizando a proteção ao consumidor.
O PL nº 5041/2025 busca restaurar esse equilíbrio. Ele estabelece a gratuidade da bagagem de mão de até 12 kg, proíbe o cancelamento automático do trecho de volta em caso de não embarque na ida, veda a cobrança por marcação de assento padrão e garante transporte gratuito de equipamentos médicos e assentos extras para pessoas com deficiência.
Essas medidas estão em perfeita sintonia com a Constituição Federal. O art. 5º, XXXII, determina que o Estado promoverá a defesa do consumidor. O art. 170, V, insere esse princípio como fundamento da ordem econômica. O Código de Defesa do Consumidor, por sua vez, consagra a boa-fé objetiva, a transparência e o equilíbrio contratual como pilares das relações de consumo.
A proposta legislativa representa, portanto, uma reafirmação do papel do Estado como garantidor de direitos. Ela corrige uma distorção normativa que permitiu a financeirização de um serviço essencial, transformando o ato de viajar em uma experiência marcada por cobranças ocultas e insegurança contratual.
Além do aspecto jurídico, há uma dimensão social inegável. A cobrança por bagagem afeta principalmente os consumidores de menor renda, que dependem do transporte aéreo para trabalhar, estudar ou visitar familiares. A proibição da taxa é, nesse sentido, uma medida de inclusão e justiça social.
O projeto também contribui para a redução da judicialização. A cobrança por bagagem gerou milhares de ações nos juizados especiais cíveis, sobrecarregando o sistema judiciário e revelando a vulnerabilidade técnica e econômica do consumidor diante das companhias aéreas.
A responsabilidade civil das empresas, nesse contexto, deve ser revista. A imposição de tarifas abusivas, sem informação clara e adequada, pode configurar dano moral coletivo, especialmente quando afeta grupos vulneráveis ou viola expectativas legítimas do consumidor.
O Legislativo, ao aprovar esse projeto, também reafirma sua competência constitucional para legislar sobre transporte e relações de consumo. Trata-se de uma reação institucional à hipertrofia das agências reguladoras, que muitas vezes atuam com autonomia excessiva e pouca prestação de contas.
A disputa entre Câmara e Senado, embora política, não deve obscurecer o mérito da proposta. Ambas as Casas reconhecem a necessidade de proteger o consumidor, ainda que divergem sobre os detalhes. O ideal seria a construção de um texto de consenso que preserve os avanços e garanta segurança jurídica.
A participação popular foi decisiva para a tramitação do projeto. O clamor social contra as taxas abusivas pressionou o Legislativo e revelou a força da cidadania ativa na formulação de políticas públicas. O consumidor, antes invisível, tornou-se protagonista.
O projeto ainda precisa ser aprovado pelo Senado para se tornar lei. Essa etapa é crucial, pois definirá se a reconquista legislativa será efetivada ou se permanecerá como promessa. A expectativa é de que o Senado compreenda a urgência e a legitimidade da proposta.
Se aprovado, o PL nº 5041/2025 marcará uma virada normativa no setor aéreo brasileiro. Ele restabelecerá direitos, conterá abusos e reafirmará o compromisso do Estado com a dignidade do consumidor. Mais do que uma norma, será um símbolo de resistência e reconstrução.
Por fim, a proibição da cobrança por bagagem de mão não é apenas uma medida técnica, é uma afirmação de princípios. Ela resgata a função social do contrato, fortalece a proteção ao consumidor e reposiciona o Estado como agente de equilíbrio nas relações de mercado. O Projeto de Lei nº 5041/2025, ao ser aprovado pela Câmara, sinaliza uma virada normativa que pode redefinir o transporte aéreo no Brasil. Que o Senado esteja à altura desse momento histórico e transforme essa proposta em lei, consolidando a reconquista legislativa de um direito essencial.
 
								 
															

