Até que ponto a decepção amorosa deixa de ser sentimental e passa a ser jurídica?
Muito antes da era digital, o estelionato sentimental que era conhecido como “estelionato emocional” aplicado de forma presencial o golpista envolvia a vítima em uma verdadeira encenação afetiva, ele se aproximava da vítima com o intuito de chamar atenção fazendo promessas de relacionamentos sérios como namoro e casamento, criando um vínculo emocional forte e convincente. Essa conexão era construída com gestos românticos, conversas envolventes, onde levava a vítima a confiar plenamente em seu manipulador.
Dentre as táticas mais utilizadas pelos golpistas estelionatários emocionais estão:
- simulações de vulnerabilidades: eles alegam estar passando dificuldades financeiras, problemas familiares para despertar empatia em suas vítimas.
- Fazem promessas de futuro: falam em construir vida a dois, namorar, casar, ter filhos, tudo para justificar o pedido de dinheiro;
- Solicitam ajuda financeira: pedem empréstimos, transferências ou bens com promessas de devolver o que aparentemente é provisório ou temporário;
- Isolamento emocional: geralmente os golpistas procuraram isolar as suas vítimas de amigos e familiares próximos para dificultar que a vítima perceba o golpe.
O antigo “estelionato emocional” já era uma prática enquadrada como fraude patrimonial pelo artigo 171 do Código Penal, desde que houvesse dolo e prejuízo econômico.
Este tipo de golpe, estelionato com fundo amoroso, o criminoso se utiliza de ferramentas de persuasão amorosa para se aproximar da vítima e, então obter vantagem ilícita atual ou futura, bem como esse golpe explora a carência afetiva e a confiança interpessoal da vítima.
Com a era digital e aumento das ferramentas tecnológicas, os relacionamentos interpessoais ganharam novos contornos, principalmente com o avanço das redes sociais e mudanças comportamentais, o que antes era chamado de “estelionato emocional” na era digital começou a ganhar força com a popularização da internet, e especialmente com o aumento de aplicativos de relacionamentos e redes sociais a partir dos anos 2000, e foi com o avanço tecnológico que os golpistas começaram a se valer de perfis falsos para aplicarem golpes em suas vítimas, simulando vínculos afetivos com vítimas vulneráveis.
O estelionato sentimental é a prática de enganar alguém sob a aparência de um vínculo afetivo, é uma forma de abuso emocional em que o estelionatário manipula a sua vítima para obter ganhos financeiros ou patrimoniais, o golpista se vale da confiança da vítima, da intimidade do discurso amoroso para induzir a vítima a erro, provocando prejuízo financeiro considerável. Trata-se de um desdobramento da figura clássica prevista no caput do artigo 171 do Código Penal, adaptada às nuances das relações interpessoais.
Importa neste ponto separar a diferença entre uma decepção amorosa e uma fraude punível, pois o término de uma relação embora possa ser dolorosa, integra a liberdade de escolhas afetivas, não há necessariamente má-fé ou intenção de prejudicar o outro, é a parte da dinâmica dos relacionamentos e por si só a decepção amorosa não configura crime.
Já o estelionato sentimental é uma conduta dolosa, fraude punível, em que o agente simula o envolvimento afetivo deliberado a obter vantagens patrimoniais como dinheiro, bens ou favores, por meio de manipulação emocional, a fraude se consuma quando há indução ao erro, prejuízo econômico, intenção clara de enganar a vítima, animus fraudandi.
Na esfera criminal o agente golpista estelionatário sentimental poderá ser processado com base no artigo 171 do código penal com penas que poderão chegar a 5 cinco anos de reclusão, além de multa.
Na esfera Cível, a responsabilização poderá ensejar a reparação por danos materiais e morais conforme prevê o artigo 186 do código civil combinado com o artigo 927, amparado em reparação indenizatórias no abuso de confiança sofrido a vítima de estelionato sentimental como forma de compensação financeira em razão de relações fraudulentos baseadas em vínculos afetivos simulados, além de poder pleitear pela reparação de danos morais a depender do caso concreto.
Provar o estelionato sentimental exige mais do que um relato de dor e sofrimento, é necessário comprovar que desde o início da relação houve intenção fraudulenta de obter vantagem indevida, a mera frustração de expectativa amorosa por si só não configura estelionato sentimental, é necessário demonstrar a existência de falsas promessas reiteradas, transferências financeiras injustificadas, contradições nos discursos afetivos e um padrão de manipulação que se sustente em provas documentais e testemunhais, ou seja, é imprescindível que a vítima demonstre através de prova concreta que foi induzida ao erro e sofreu um prejuízo patrimonial em virtude desse engano.
Curiosamente, o estelionatário escolhe vítimas especialmente mulheres com mais de 40 quarenta anos de idade, essas mulheres são as suas principais vítimas, e muitas vezes por vergonha, desgaste emocional ou medo de julgamento elas deixam de buscar a devida reparação e a punição do golpista, o que faz necessário uma conscientização social para que as vítimas de estelionato sentimental não fique inerte diante de tal situação.
Não menos importante que é a conscientização para a não impunidade, deve o profissional que represente a vítima estruturar bem a sua tese de defesa, principalmente no sentido de reunir elementos materiais que demonstrem o animus dolandi, ou seja a demonstração clara de que o golpista teve a intenção da fraude patrimonial com atos de manipulação afetiva à obtenção de vantagem ilícita, bem como a demonstração clara de que não houve o consentimento da vítima com as transferências de forma livre e consciente, mas sim sob promessa fraudulenta.
Outrossim, quando o judiciário reconhece a violação jurídica através do estelionato sentimental, além dele reparar o dano, ele está cumprindo a função pedagógica e responsabilizando o agente de condutas que reafirmam a importância da prática da boa-fé objetiva, honestidade e relações informais, dentro dos limites da confiança e da justiça das relações humanas.
Portanto o estelionato sentimental não pode ser considerado como uma mera mágoa de um coração partido, mas sim uma engenharia ardilosa de manipulação causada pelo agente fraudador com fins de causar impacto econômico, psicológico e social profundo a mulheres vulneráveis vítimas de golpistas ardilosos, romper o silêncio são passos essenciais para diminuir a impunidade abrindo caminhos para a punição do agente e garantir a restauração da dignidade da vítima, qual exige do poder judiciário punição e postura firme das relações interpessoais, que não poderão ser exploradas como ferramentas de golpes.