Dano moral a pessoa jurídica

Será que é cabível somente quando comprovado prejuízo a reputação comercial da empresa?

O tema do dano moral da pessoa jurídica é um dos mais instigantes do direito contemporâneo. Durante muito tempo, acreditou-se que apenas pessoas físicas poderiam sofrer dano moral, por serem dotadas de sentimentos e honra subjetiva. Contudo, a evolução jurisprudencial e doutrinária demonstrou que empresas também podem ser vítimas de lesões à sua esfera moral, especialmente quando sua credibilidade e reputação são atingidas.

A Constituição Federal, em seu artigo 5º, incisos V e X, assegura a indenização por danos morais e materiais. O Código Civil, nos artigos 186 e 927, reforça a responsabilidade por atos ilícitos. E o Superior Tribunal de Justiça, por meio da Súmula 227, pacificou: “A pessoa jurídica pode sofrer dano moral.” Esse é o ponto de partida para compreender a proteção da honra objetiva das empresas.

Diferentemente da pessoa física, que possui honra subjetiva ligada à dignidade e aos sentimentos, a pessoa jurídica tem sua honra vinculada à imagem, credibilidade e confiança perante o mercado. É essa honra objetiva que pode ser violada por atos indevidos da Administração Pública, como inscrições em dívida ativa, execuções fiscais equivocadas, bloqueios de bens, constrições financeiras e, dentre outras situações, a divulgação de informações que transmitam a falsa ideia de inadimplência.

Um dos casos paradigmáticos envolve o ajuizamento de execução fiscal indevida. Imagine uma empresa que já quitou seu tributo, mas é surpreendida com uma ação de cobrança judicial. O simples ajuizamento transmite à sociedade a ideia de inadimplência, comprometendo sua credibilidade.

O Superior Tribunal de Justiça, em precedentes como o REsp 1.139.492/PB (Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 16.2.2011) e o REsp 1.755.463/SP (Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 21.11.2018), reconheceu que o dano moral nesses casos é in re ipsa, ou seja, presumido. Não é necessário comprovar repercussão externa ou prejuízo concreto: o próprio ato de cobrança indevida já configura violação à honra objetiva da empresa.

Em contrapartida, alguns tribunais estaduais, como o TJ-SP, adotam posição mais restritiva. Em decisão da 18ª Câmara de Direito Público (Apelação nº 1005772-94.2017.8.26.0368, Rel. Des. Ricardo Chimenti, julgado em 12.12.2018), reconheceu-se o dano moral apenas diante da constrição patrimonial, como bloqueio de veículos e ativos financeiros. Essa divergência revela a tensão entre uma visão mais conservadora e a orientação consolidada do STJ.

Imagine a seguinte situação: uma empresa foi avisada pelo seu fornecedor de que constava dívida ativa em seu nome. Sem qualquer notificação prévia, a empresa viu sua credibilidade abalada, pois o fornecedor recusou-se a vender produtos diante da suposta inadimplência.

Essa situação demonstra como a inscrição indevida em dívida ativa pode gerar repercussão imediata no mercado. Ainda que não haja bloqueio judicial, a simples informação de inadimplência compromete a confiança de parceiros comerciais, configurando dano moral e até mesmo dano material pela perda de oportunidade de negócio.

A responsabilidade civil do Estado, prevista no artigo 37, §6º, da Constituição, é objetiva. Basta a comprovação do ato ilícito e do nexo causal para que surja o dever de indenizar. No caso da empresa, a inscrição indevida em dívida ativa, sem notificação, é suficiente para caracterizar o ilícito e ensejar reparação.

É importante destacar que o dano moral da pessoa jurídica não se confunde com sentimentos ou dor. Trata-se da proteção da credibilidade, da imagem e da confiança que sustentam sua atividade econômica. Quando esses elementos são atingidos, há lesão à honra objetiva, cabendo indenização.

A jurisprudência do STJ tem papel fundamental na consolidação desse entendimento. Ao reconhecer o dano moral presumido em execuções fiscais indevidas, o Tribunal reforça a necessidade de proteger empresas contra abusos da Administração Pública.

O contraste entre o entendimento do STJ e de alguns tribunais estaduais, como o TJ-SP, é ilustrado pelas ementas analisadas. Enquanto o TJ-SP exige prova de repercussão concreta, como no caso em que apenas o bloqueio de bens caracterizou o dano moral, o STJ firmou posição de que o ajuizamento de execução fiscal indevida já presume o dano, dispensando prova adicional. Essa divergência demonstra a evolução jurisprudencial e a tendência de uniformização pela Corte Superior.

Do ponto de vista prático, empresas devem estar atentas a inscrições indevidas em dívida ativa e execuções fiscais equivocadas. Ao identificar tais situações, é recomendável ajuizar ação declaratória de inexistência de débito, cumulada com pedido de indenização por danos morais.

A documentação de repercussões comerciais, como recusa de fornecedores ou bloqueio de ativos, fortalece a prova e amplia a chance de êxito. Contudo, mesmo sem tais provas, a jurisprudência do STJ já admite o dano moral presumido, bastando demonstrar a inexistência da dívida.

A credibilidade é o maior patrimônio de uma empresa. Quando o Estado erra e quando ocorre prejuízo como o abalo à credibilidade da empresa perante fornecedores, clientes e instituições financeiras não se trata apenas de um equívoco burocrático,  trata-se de uma violação à confiança que sustenta relações comerciais e financeiras. Por isso, a indenização por dano moral da pessoa jurídica é medida de justiça e equilíbrio.

Por fim, o dano moral da pessoa jurídica não depende de honra subjetiva, mas da proteção de sua honra objetiva. Execuções fiscais indevidas, inscrições irregulares em dívida ativa e prejuízos decorrentes da perda de credibilidade são exemplos claros de situações em que o dano moral é cabível, muitas vezes presumido. A jurisprudência do STJ é firme nesse sentido, garantindo que a reputação empresarial seja tratada como um direito fundamental e como um bem jurídico indispensável à sobrevivência e prosperidade das empresas.

 

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