Rose glace girardi

Herança Digital principais aspectos no Direito Sucessório

Primeiramente antes de adentrarmos ao assunto herança digital propriamente dita precisamos entender que o universo virtual não se concretizou da noite para o dia. O acesso a internet, ou seja, a criação da primeira página www aconteceu em 6 de agosto de 1991 pelo cientista da computação Tim Berners, nascido em 8 de junho de 1955, em Londres Berners é o maior responsável por revolucionar a internet, carinhosamente chamado de pai da internet.

De 1991 para cá a transformação digital e o avanço da tecnologia se mantêm com o pé no acelerador em razão da necessidade que ocorre no mundo diariamente. A necessidade de transmissão de informações para uma maior quantidade de pessoas e de faixa etária, a criação de softwares inteligentes e a gestão de aplicativos que facilitam o gerenciamento de tarefas e respostas ágeis em um mercado competitivo. No que diz respeito a evolução e revolução, essas significativas mudanças muito dizem respeito ao que estamos conectados à internet, redes sociais, aplicativos, comunicação rápida, afinal, hoje praticamente tudo se resume ao acesso virtual que sempre está na palma da sua mão, ou seja, seu próprio celular.

Outrossim, falar de mundo tecnológico não se limita somente ao acesso as redes sociais — Facebook, Instagram, LinkedIn, WhatsApp, TikTok, Telegram e X (antigo Twitter), Pinterest — que passaram por importantes inovações, como: o uso de e-mail, criação de conteúdos em Blogs, bancos digitais,  sem contar com o surgimento da moeda virtual, Bitcoin (criptomoedas), Google, Icloud, uso de plataformas de streaming, como a Netflix, o Globoplay e outras. Nossa, não parece pouco. Estamos praticamente mergulhados no acesso virtual e, na presente atualidade, é muito difícil estar longe desta realidade. Ou seja, é praticamente impossível, pois somos dependentes da tecnologia que passa por constantes e inovadoras transformações e que certamente nos levará a uma realidade inevitável, a inteligência artificial.

De modo, que a internet e as mudanças rápidas, ocorridas no mundo virtual não ocorreram na mesma velocidade no universo jurídico e legislativo, principalmente na legislação brasileira, é notável que as mudanças serão necessárias e já estamos vendo que o universo jurídico caminha para essas novas adaptações.

Pois bem, falar de herança, no aspecto mais simples, diz respeito ao conjunto de bens, direitos e obrigações de uma pessoa falecida que deixa para os seus herdeiros e sucessores, agora a herança de bens digitais a princípio parece um tanto confuso entender, todavia não é, se pensarmos que a herança digital diz respeito à 02 (duas) definições, vejamos:

1) Herança digital no aspecto patrimonial.

2) Herança digital no aspecto do direito personalíssimo, o que diz respeito a intimidade do “de cujus” (daquele que faleceu).

De modo que, o acervo digital, tanto o patrimonial quanto o emocional, é necessário ter a proteção jurídica.

Dentre o acervo patrimonial e financeiro estão: moedas virtuais, milhas de cartão de crédito, créditos em bancos virtuais, músicas, jogos eletrônicos, bibliotecas virtuais, aplicativos pagos, e acessos de conteúdos monetizados, gerados em redes como Youtube, TikTok e outras, como é o caso dos influencers digitais, que ganham muito dinheiro produzindo as suas postagens e obtendo diversos acessos de seus usuários e seguidores.

Dentre o acervo herança digital no aspecto personalíssimo e emocional estão: acesso ao conteúdo de mensagens do WhatsApp, conteúdo e troca de e-mails, fotos, recordações, ou tudo aquilo que gere um valor sentimental e que diz respeito a intimidade daquele que faleceu.

Vejamos, será que aquele que morre repentinamente quer que os seus herdeiros tenham acesso ao conteúdo de mensagens íntimas trocadas via WhatsApp?

Analisamos um caso concreto. Imaginemos a seguinte situação, que pode ocorrer com qualquer pessoa: De repente, uma pessoa sofre um infarto repentino e falece. Os herdeiros conseguem acessar o celular através de desbloqueio de senha pessoal, e obtêm informações e  conteúdos íntimos, até mesmo de traição com a esposa, que jamais imaginava que ocorrera. Será que o “de cujus” (aquele que faleceu), sem o direito de expressar sua vontade, gostaria que os seus herdeiros tivessem acesso a determinados tipos de informações? Sabemos que não, até porque tal situação fere a esfera da intimidade do ser humano,  direito personalíssimo e protegido pela Constituição Federal como um Direito Fundamental, conforme preceitua o artigo 5º, X, da Constituição Federal de 1988, vejamos:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

 X – São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

 Ocorre que, atualmente na legislação brasileira não temos legislação clara que defina a matéria herança digital, apenas prevista em projeto de Lei n° 4.847/2012, artigo 1.797-A, que define herança digital como todo conteúdo intangível (incorpóreo, intocável) do falecido, incluindo senhas, perfis sociais, contas na internet, ou qualquer serviço virtual e digital de titularidade do falecido.

E ainda, no artigo 1.797-B, diz que se o falecido, tendo capacidade para testar, se não o tiver feito, a herança será transmitida aos herdeiros legítimos. Art. 1.797-C. Cabe ao herdeiro: definir o destino das contas do falecido: a)  transformá-las em memorial, deixando o acesso restrito a amigos confirmados e mantendo apenas o conteúdo principal,  b)  apagar todos os dados do usuário,  c)  remover a conta do antigo usuário.

Cumpre informar que esta é uma informação de grande valia, até porque muitas pessoas desconhecem tais informações, e. Empresas como: a Google, Facebook, Instagram, LinkedIn e X (antigo Twitter) permitem que os seus usuários configurem o seu perfil de acesso nomeando um sucessor para que este esteja legitimado a ter acesso em caso de óbito, quanto a permanência do perfil, sem alteração de conteúdo, para que assim se efetue a sucessão/transmissão do patrimônio digital após o falecimento do “de cujus’. Caso não haja a configuração de nomeação de acesso de sucessor automaticamente, com a notícia do falecimento o acervo digital poderá ser transformado em memorial. Ressalta-se que há um termo de política de uso de rede social, em caso de falecimento, a análise do caso concreto em relação a transmissão sucessória visando a uma análise criteriosa do que diz respeito a direito patrimonial e personalíssimo.

De modo que, herança digital por ser matéria que requer significativas alterações e por falta de legislação específica no Brasil, ao contrário de outros países como Alemanha e Espanha que já possuem entendimento pacificado, a herança digital quando não expressa de forma clara diante da intenção do “de cujus”, no que diz respeito ao Direito Patrimonial, deverá ser transmitida aos herdeiros nos termos do direito sucessório, aos herdeiros legítimos e testamentários. Já no que diz respeito a privacidade e intimidade do “de cujus”, que possui um valor sentimental é inevitável a proteção de intimidade e honra das pessoas, como o exemplo prático acima mencionado. Um falecimento repentino por infarto e a violação e descoberta, praticados pelos herdeiros, de mensagens de WhatsApp, que para aquele que faleceu era sigilo absoluto. Bem complexa a questão.

Outrossim, o judiciário ainda não chegou a um entendimento quanto a divisão do que é herança digital: o acervo patrimonial e financeiro e a herança digital no aspecto personalíssimo e emocional. Até porque, venhamos e convenhamos, as próprias redes sociais possuem aplicativos de mensagens internas, como Direct (Instagram) e Messenger (Facebook) que diz respeito a privacidade, e intimidade do usuário da rede, que muitas das vezes não quer que seja transmitida aos herdeiros, assim como acesso a e-mails e arquivos em drives.

Portanto, falar em herança digital, é matéria complexa. Assuntos como recolhimento de impostos de transmissão de acervo digital ainda não é muito bem definida pelo judiciário brasileiro, que utiliza-se de parâmetros como valores de mercados, entrada de ativos financeiros e imposto de renda do “de cujus” nos últimos anos de vida. Já no que diz respeito a moedas digitais, a matéria é ainda mais complexa, pois caso o usuário “de cujus” não deixe a chave de acesso ao seu sucessor, o encerramento do acesso após a comunicação do óbito é praticamente inevitável. E nem mesmo decisões judiciais têm conseguido reverter a caracterização de violação do direito personalíssimo, negando acesso do herdeiro ao acervo digital, que nesse caso é patrimonial.

Sendo assim, não há como negar a nossa dependência ao acesso virtual e ao mundo digital de hoje, de modo que é inevitável o uso das redes sociais, pessoais e profissionais, plataformas de streaming como Netflix e outras, bancos digitais, armazenamento de dados em arquivos em nuvem etc.  Mas ao mesmo tempo deixar de se preocupar com algo que possa ser um legado a ser deixado aos nossos herdeiros, que certamente serão de grande valia, seja ele, sentimental ou patrimonial, é extremamente importante.

Por fim, é necessário que a legislação brasileira venha se adequar e criar meios que garantam a celeridade e a evolução de legislações que se adeque ao crescimento e a velocidade do mundo virtual, até para que se evitem de levar ao judiciário situações que poderiam ser resolvidas de forma extrajudicial. Não há dúvida que a matéria exigira esforços contínuos diante das transformações inevitáveis. Todavia garantirá aos usuários que hoje possuem com as empresas digitais contrato de adesão unilateral, que eles estarão protegidos pela segurança jurídica diante das constantes transformações na sociedade e no mundo virtual.

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