Prestação de contas em pagamento de Pensão Alimentícia

Até que ponto o genitor tem o direito de acompanhar o destino dos recursos destinados ao bem-estar do filho, com discernimento jurídico e respeito à dignidade de todos os envolvidos?

Supervisão ou intromissão

I-Fundamentos e Panorama Histórico da ação de prestação de contas em pensão alimentícia.

Durante décadas,  a ideia de exigir a prestação de contas sobre valores pagos a título de pensão alimentícia esbarrava em barreiras conceituais solidificadas na doutrina e jurisprudência brasileira. O princípio da irrepetibilidade dos alimentos era o pilar dessa resistência: os alimentos pagos não poderiam ser devolvidos ou compensados, mesmo se mal utilizados. Tal entendimento impedia qualquer discussão sobre o seu destino.

Além disso, antigamente, o modelo tradicional de guarda geralmente era unilateral, atribuía-se à genitora o papel exclusivo de administradora da rotina da criança, incluindo o uso da pensão alimentícia. O judiciário evitava intervir nesse espaço, sustentando que tal ingerência atenta contra a autonomia parental.

O sistema judiciário brasileiro optava pela não intervenção, mesmo diante de eventuais abusos, consolidando uma “caixa-preta” financeira nos lares monoparentais.

E quais eram os argumentos predominantes no sistema judiciário que impedia o ajuizamento desse tipo de ação judicial apresentando resistência firme entre os anos de 2000 a 2015 de prestação de contas em pensão alimentícia?

  • Falta de interesse processual: entendia-se que não haveria proveito prático na ação de prestação de contas em pensão alimentícia, já que não se buscava crédito ou débito a ser apurado.
  • Inadequação da via judicial: o poder judiciário alegava não ser o espaço adequado para tratar da administração doméstica dos alimentos.
  • Preservação da harmonia familiar: a prestação de contas era vista como potencial gatilho de conflitos familiar, qual poderia prejudicar o vínculo entre os genitores e, sobretudo, afetar emocionalmente a criança.

Um exemplo concreto jurisprudencial sobre a questão da prestação de contas em pensão alimentícia nesse período está no REsp 970.147/SP do STJ que reforçou a decisão sobre o genitor pagante de alimentos, que  não tinha legitimidade para exigir a prestação de contas, por presumir-se a boa-fé da administração da pensão alimentícia.

E o que mudou na legislação para permitir a prestação de contas em pensão alimentícia depois do ano de 2015?

O divisor de águas veio com a Lei 13.058/2014, que introduziu o §5º ao artigo 1.583 do Código Civil, vejamos:

“A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos, e, para possibilitar tal supervisão, qualquer dos genitores sempre será parte legítima para solicitar informações e/ou prestação de contas quanto ao menor.”

A alteração do texto legislativo ampliou o direito-dever de supervisão parental, transformando a supervisão em elemento jurídico legítimo. A mudança reconheceu que o genitor ausente do cotidiano da criança pode e deve acompanhar o destino dos recursos pagos para assegurar o bem-estar da criança.

Essa transformação teve um impulso social com objetivo de maior engajamento paterno e a ampliação da guarda compartilhada como regra preferencial.

E qual foi o papel da jurisprudência na virada conceitual sobre o tema prestação de contas em pensão alimentícia?

O STJ-Superior Tribunal de Justiça avançou em consonância com a nova legislação, o destaque foi o REsp 1.814.639/RS (STJ, 2020), qual a Terceira Turma reconheceu a possibilidade de prestação de contas em alimentos, não para apurar créditos, mas para dar transparência ao uso dos recursos.

Desse modo, o STJ-Superior Tribunal de Justiça entendeu que o pedido de prestação de contas pode ser legítimo desde que bem fundamentado com indícios de má administração, devendo observar-se o melhor interesse da criança, foi então que a prestação de contas em pensão alimentícia começou a ser vista como instrumento para integrar o exercício da responsabilidade parental, o cabimento da ação judicial começou a depender de fundamentação concreta e abordagem estratégica.

II – Conflitos práticos e riscos jurídicos emocionais em ação de prestação de contas em pensão alimentícia.

O que o pedido de prestação de contas em pagamento de pensão alimentícia poderá significar diante do olhar da genitora? Um cuidado ou um controle? O que motiva o genitor pagante a requerer a transparência dos recursos em pensão alimentícia?

  • Talvez um gesto legítimo de preocupação com o bem-estar do filho (a)?
  • Ou o genitor poderá ser mal interpretado como uma tentativa de vigilância face a genitora, quanto ao destino dos recursos pagos em alimentos?

É importante ressaltar que o pedido de prestação de contas em pensão alimentícia poderá perder o tom ético e ser interpretado como uma perseguição emocional em face à parte contrária, ou seja, genitora que detém os cuidados do menor alimentando. De modo que, para que o pedido de prestação de contas em pensão alimentícia precisa ser pautado em indícios concretos, bem como ter a apresentação de linguagem jurídica adequada, evitando juízo de valor e críticas pessoais.

Ressalta-se que o direito não deve ser usado como uma lente de desconfiança, mas sim como objeto de responsabilidade parental na ação de prestação de contas em pensão alimentícia.

Além disso, é necessário cautela para evitar os riscos de judicialização cruzada e retaliação entre os genitores do menor, principalmente a depender do caso concreto qual poderá ter uma interpretação errônea, especialmente se a genitora entender o ajuizamento do processo como um ataque pessoal, exemplo:

  • Poderá a genitora entender uma suposta violação a sua honra e intimidade ensejando um pleito/pedido de reparação de danos morais;
  • Poder requerer a majoração dos alimentos como resposta indireta:
  • E ou, a genitora mobilizar redes de apoio emocionais e sociais contra o genitor do menor.

De modo que os desdobramentos podem transformar-se no processo judicial criando-se uma verdadeira teia de litígios, onde o foco deixa de ser a criança e passa a ser o embate entre os genitores. Por tal razão, o advogado tem o papel de agir com extrema cautela, usando a técnica argumentativa como um escudo contra interpretações destrutivas.

Como o advogado deve agir para proteger o cliente sem alimentar o litígio familiar?

Nas relações familiares o papel da advocacia é de altíssimo valor estratégico e humano. O advogado precisa:

  • Escolher cuidadosamente as palavras da petição, evitando tom acusatório;
  • Instruir o cliente a manter postura respeitosa em comunicações paralelas (como mensagens e redes sociais);
  • Antecipar possíveis interpretações equivocadas e blindar a narrativa jurídica com dados objetivos;
  • Sugerir medidas cautelares somente se houver risco real ao menor, e não por conveniência argumentativa.

A atuação equilibrada do advogado em um ponto de equilíbrio emocional e legal, previne que o litígio contamine o vínculo familiar.

É recomendável iniciar a prestação de contas em pensão alimentícia pela forma extrajudicial? Em quais cenários esse caminho pode falhar?

Geralmente a prestação de contas em pensão alimentícia pode até parecer menos conflituosa. No entanto, em contexto de fragilidade emocional entre os genitores, esse caminho poderá:

  • Ser interpretado como provocação ou perseguição;
  • Pode municiar a genitora com provas documentais que ela utilizará para reverter o pedido;
  • Pode gerar desgaste psicológico que certamente poderá atrapalhar futuras tentativas de conciliação.

Em determinadas situações, a depender do caso concreto talvez o melhor caminho seja a judicialização, com discrição e fundamentação sólida, evitando alimentar a retórica emocional antes mesmo da instauração formal do processo.

III – A questão atual prestação de contas em pensão alimentícia e os caminhos estratégicos para esse tipo de demanda jurídica.

Em quais casos o Judiciário admite a prestação de contas atualmente?

O entendimento jurisprudencial para o ajuizamento da prestação de contas em pensão alimentícia evoluiu para reconhecer que o genitor tem o direito de solicitar a prestação de contas nos casos em que haja indícios objetivos e razoáveis de que os valores pagos não estão sendo aplicados em favor do menor. A ação judicial é admitida:

  • Quando há suspeitas de desvio de finalidade (gastos incompatíveis, ausência de bens essenciais).
  • Quando a gestão dos alimentos se mostra opaca e resistente à simples prestação de contas informal;
  • Quando o genitor busca transparência como forma de supervisionar a proteção do filho.

Ressalta-se que o pedido de prestação de contas em pensão alimentícia deve ser feito sem a pretensão de reaver valores, respeitando a irrepetibilidade dos alimentos, pois essa ação judicial trata-se de uma ação de supervisão e não de cobrança ou revisão de alimentos.

Como elaborar uma petição inicial equilibrada e eficaz em prestação de contas em pensão alimentícia?

A petição deve ser cuidadosamente moldada com:

  • Linguagem respeitosa e não acusatória: utilizar termos como transparência, responsabilidade compartilhada, e  proteção ao menor;
  • Base legal sólida para fundamentação: 5º do art. 1.583 do Código Civil e em precedentes como o REsp 1.814.639/RS.
  • Narrativa cronológica coerente: inclusão de histórico de pagamentos, mudanças na guarda ou comportamento financeiro incompatível.
  • Indícios objetivos: evitar alegações genéricas e apresentar fatos que justifiquem a necessidade de fiscalização.

Ressalta-se que a petição em ação de prestação de contas em pensão alimentícia bem-feita evita que a ação se torne um palco de disputa emocional.

Qual o papel da criança nessa relação triangular? Como evitar sua instrumentalização?

A criança é o sujeito a ser protegido e não o centro da disputa. Contudo em ações mal conduzida, a criança pode ser:

  • Instrumentalizada como escudo emocional, ex: (faço tudo por ele);
  • Vítima de manipulação narrativa, ex: (ele quer controlar a minha vida, não cuidar do filho);
  • Exposta aos conflitos judiciais, mesmo que indiretamente.

Em ações judiciais de prestação de contas em pensão alimentícia o advogado deve sempre zelar pelo distanciamento da criança no litígio. Toda decisão, pedido e redação deve ter como ponto primordial o melhor interesse da criança, preservando a sua dignidade, bem-estar e estabilidade emocional.

É possível transformar o pedido de prestação de contas em instrumento de reconstrução familiar?

Sim. Quando o pedido de prestação de contas em pensão alimentícia é feito com humildade estratégica e a ação é conduzida com ética, poderá abrir espaço para:

  • Diálogo renovado entre os genitores:
  • Readequação dos alimentos com base em necessidades reais;
  • Revisão da guarda ou do regime de convivência, se constatada negligência;
  • Reconstrução da confiança parental, voltada para o cuidado conjunto do filho.

Portanto, a prestação de contas em pensão alimentícia, por muito tempo ignorada ou rejeitada passou a ser compreendida como um instrumento legítimo de supervisão parental. Com a evolução da legislação e da jurisprudência, abriu-se espaço para que o genitor que contribui financeiramente possa acompanhar de forma responsável, o uso dos recursos destinados ao filho. No entanto, se mal conduzida, a prestação de contas pode se transformar em disputa emocional, provocar reações judiciais cruzadas e, infelizmente, colocar a criança que deveria ser o centro da proteção em situação ainda mais vulnerável.

Desse modo, a abordagem desse tema exige discernimento técnico e sensibilidade humana. Cabe ao advogado familiar construir caminhos jurídicos firmes, mas também respeitosos, evitando narrativas acusatórias e favorecendo um diálogo justo, equilibrado com transparência e visando a proteção ao princípio do melhor interesse da criança, é o que se requer.

 

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